sexta-feira, 28 de maio de 2010

Vênus / Dimensões: 45 x 40 x 40 cm.

Certa vez li em um livro que foi encontrada, por uma arqueóloga francesa, uma imagem feminina no interior de uma caverna. Esta figura estava enterrada e mantinha-se em pé e intacta por centenas de anos. Até então não se tinha certeza de que estas estatuetas (que medem entre 2 e 20 cm) eram usadas desta maneira. Há uma semelhança entre as imagens encontradas em toda Europa, todas apresentam os pés em forma de cone e isso era apenas um indício de como eram usadas nos rituais. Esta história me impressionou tanto que resolvi retratar aquela cena.

Meia-Noite (foto de Carlos Kugler no Teatro de Castro/PR)

Texto de apresentação da exposição "Hematita Sobre Rocha"

   João Nei à Meia-Noite

por Key Imaguire Júnior

    Num relógio que representasse a vida deste nosso planeta desde o surgimento dos organismos vivos até hoje, a presença humana ocuparia apenas o último dos minutos. Isso, somos nós: num minuto, detonamos uma construção feita ao longo de milhões de anos.
    Mas também não se pode deixar de considerar que, nesse minuto, conseguimos ir da arte rupestre cem por cento ecológica ao grafitti de nossas ruas, feito com o agressivo spray que ataca a camada de ozônio.
    Essa reflexão, em si muito redutora, nos leva à seguinte: entre o instante em que começa a cronometragem desse minuto, até o instante final, os processos criativos do homo sapiens engendraram insuportáveis mediocridades e incomensuráveis maravilhas - com tintas, pedras, sons, riscos fazendo da arte sonho e pesadelo.
    Lembram da primeira obra de arte? Ao voltar de sua caçada, barriga cheia, nosso simiesco ancestral risca a imagem do animal abatido e já meio digerido na rocha do interior da caverna. Quando outro primata do grupo identifica no risco o animal, começa a catástrofe e a cultura do ser humano. Shakespeare e Michelangelo não tiveram a genialidade e o poder de expressão desse meio macaco mal cheiroso.
    Desse momento em diante, o artista só tem duas opções: começar de novo a tentar um risco na parede ou arbitrar um ponto zero qualquer e dele partir para conquistar o mundo.
    Onde quer que se coloque esse tal ponto zero, o essencial é que sempre se estará procurando a luz que surgiu ao redor da desgrenhada cabeleira de nosso ex-macaco, no momento em que percebeu a transmissão da idéia, a fagulha do entendimento se desprendendo, uma aura tão forte que o fez passar por mágico, bruxo poderoso, semideus, essas coisas. Deve ter sido assustador, apavorante mesmo, tanto para ele como para os outros  e mais ainda quando ficou clara a capacidade incendiária da ínfima fagulha. Mesmo sem perceber a profundidade do abismo aberto com um simples gesto, a fagulha riscou a escuridão das cavernas, abrigos, lapas e a noite dos tempos, chegando até o João Nei.
    Nossa fagulha já se dividiu em múltiplas outras nesse percurso de dezenas de milênios, e se apagará definitivamente quando todos tiverem direito aos famosos quinze minutos de celebridade seja lá isso o que queiram que seja.
    É nesse ponto que essas reflexões, motivadas pelo trabalho do João Nei, adquirem contornos dramáticos.
    Antes de qualquer coisa, será viável viver num planeta totalmente escuro, tecnológico, sem a luz das fagulhas da arte? Não esqueçamos que até lá, muito provavelmente o caos ecológico já estará definitivamente instalado. Se for viável, será que vale a pena? Ou será que, quando a fagulha apagar, na última fração do minuto humano, apaga-se também o próprio relógio?
    Mas, macacos solertes e tecnológicos que somos, não conseguiremos pelo caminho achar a pedra filosofal, a panacéia, a fonte da eterna juventude e o caminho das pedras? Não há quem esteja, submerso em tenebrosos laboratórios alquímicos ou mesmo em agradáveis sobrados antigos, à procura do Santo Graal?
    Apresento-lhes o João Nei, pensando nisso tudo...